quarta-feira, 6 de junho de 2012

Canção do Carcereiro

 onde vai você meu carcereiro
com essa chave manchada de sangue?
vou libertar aquela que eu amo
se é que ainda tenho tempo
e que eu mesmo aprisionei
ternamente, cruelmente
no mais escondido do meu desejo
no mais profundo do meu tormento
nas mentiras do futuro
nas bobagens das minhas juras
eu quero libertá-la
quero que ela seja livre
e mesmo que ela me esqueça
e mesmo que ela se vá
e mesmo que ela volte
e que ainda me ame
ou que ame um outro
se um outro lhe agrada
e se eu ficar na solidão
e ela tiver ido embora
eu guardarei apenas
eu guardarei pra sempre
em minhas duas mãos côncavas
até a minha última hora
a doçura dos seus seios
modelados pelo amor

-Jacques Prévert

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Confi(n)ar


Ninguém é verdadeiro o tempo todo.  Uma pessoa  existe somente em fragmentos e é a partir deles que construímos uma pessoa inteira.  Transitamos por personagens tentando decidir qual queremos ser e, fatalmente,  corremos o risco de não descobrir. Eu não me importo. O descobrimento faz parte da evolução, mesmo para continuar no mesmo lugar é necessário mudar.

Quanto mais conhecemos a alguém ou a nós mesmos,  mais percebemos o quanto não nos/ o conhecemos. O redescobrimento leva tempo e nunca vem seguido de ponto final.  Talvez esse seja o motivo de a maioria das pessoas alimentar nostalgias esperançosas de que um dia foi diferente. A ilusão de que no começo aquela amizade valeu a pena, aquele namoro era vivo. É simples nos lembrarmos daquela noite arrebatadora quando aquelas pessoas eram instigantemente desconhecidas. O desconhecido fascina e facilita a nossa construção de ideal, do que gostaríamos que fosse ou tivesse sido.

Confiança não se trata de contar todos seus segredos, de manter-se sempre o mesmo ou nem sequer de nunca se machucar ou acabar machucando. Confiança para mim é se redescobrir junto, experimentar junto, desculpar junto e apesar de tudo e de todas as mudanças, manter-se firme junto. Ou mesmo que, ao pesar as medidas, se afaste por acreditar que essa seja a melhor alternativa para evitar o que não deseja,  assumir sua decisão de alma lavada. Não é fácil, nem um pouco fácil. É bem mais difícil do que simplesmente guardar meia dúzia de segredos ou de compartilhar todas as últimas novidades da sua vida com alguém.

Eu lamento por nem sempre ter pensado dessa forma, mas me satisfaço em poder conjugar no passado alguns conceitos e algumas pessoas. Eu jamais saberia como alguns sentimentos e coisas são tão estagnantes na minha vida se não os tivesse tido e deixado de ter.

Você é uma parte importante do que eu não quero que se inclua em nada diferente do que "foi", "parecia ser, mas não é mais".

Bitch.

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Do ser


"Drained by the anger and grief 
Fazed by the envy and greed 
The secret cries for a release
The lucidity hidden deep in sweet pandemonium"

Desde a mais tenra infância, recordo-me de viver absorta em pensamentos. Gritos e sussuros na mais ensurdecedora inquietude.
Profundissimamente claustrofóbica, este ambiente me causa repugnância. 'Sobia-me à boca uma ânsia análoga à ânsia'. As pernas se agitavam convulsivamente, não me aguentava dentro de mim.
Desperta de um sono, inconformada e inadaptável. Algo terrível mas adorável. Pregada aos indizíveis abismos do meu mistério.

Lançada ao mundo cansada, letárgica das ruínas de ser.
Toda vez que senti o súbito de gritar por ajuda, corri. Me isolei, até que passasse. Quando finalmente recuperava a razão, meu estado era o próprio desengano.

Tomada por um sentimento contraditório. Não havia sequer um mendigo que eu não invejasse, simplesmente por não ser eu. Ao mesmo tempo, não haveria qualquer ser no universo que me afeiçoasse de ser, simplesmnte por não ser eu e minha singularíssima doença perpétua.

Porque sou mais sã enquanto deliro. Sou mais calma no meu pandemônio.

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Tratado de tolerância


“Abram mais janelas do que todas as janelas que há no mundo!” Tragam-me mais bisturis do que todos os corpos que bisturis já abriram no mundo.
Tenho claustrofobia do mundo; e de mim.
Luto contra as garras do empobrecimento da própria razão, dentro da delimitação de uma configuração lógica, em que nada é relativo e tudo é previsível. Fujo do conforto dos hábitos e o conformismo da complementaridade correndo diretamente em sua direção, num movimento que tange o ridículo.

E se penso que tudo é relativo, onde se encontra o limite?
O limite está, pois, na relação com o outro.
Se de fato o limite é a alteridade, a alteridade é o que limita.

Este “esterco epileptoide sem grandezas, histeria-lixo dos espetáculos, senilidade social do conceito individual de” humano.
Meu desdém, meu asco.
Pequeno em grandeza, enorme em quantidade. Monte de excremento, síntese da mediocridade constitutiva do estatismo.

Espécie mesquinha; egoísmo altruísta; veneno de si próprio.

sexta-feira, 24 de junho de 2011

A dimensão


À margem da falta de expectativas, antes tudo era pequeno, vulgar e sonífero.
Tomada pela sincera incompreensão e intolerância com aqueles que gritavam a vida com uma voluptuosidade quase histérica, os dias seguiam. Clamei por silêncio. Calem-se todos, poupem-me todos.

Sentada aqui agora nesse templo, onde tudo tem seu cheiro; me encontro totalmente incapaz de traduzir para o papel o que vai além do inteligivel.
Tomada por proporções tão altas que já não se pode controlar, evitar ou ignorar, só sei o que sou, porque somos.
Não em uma necessidade defeituosa de quem precisa-para-ser, mas na lucidez de quem descobriu uma outra maneira de ser; e assim o quer ser, ser sempre, sermos sempre, para sempre.

"'Tenho em mim todos os sonhos do mundo'
O maior deles, porém, já faz parte de mim
Para jamais se perder.
Você. Para sempre você.
Sem ter que esquecer
Sem até breve. Sem de repente
Para sempre o êxtase de sentir-se completo
Sem exceto. Sem receio
Não há mais alheio. Não há mais "mas"
O que somos não se suporta pelo mundo, universo
Somos o inverso da expressão 'limite'
E que se evite classificar
Evitamos.
Contemplamos a inexplicabilidade de termos (e sermos) um ao(o) outro
e nos unimos, harmonicamente, em um espaço físico/temporal paralelo
A dimensão eu/você = um"

Essas linhas quem escreve são duas (almas) mãos em uma.


Ao nosso transcender.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

The flame


" Parece-me que já ninguém se apaixona de verdade. Já ninguém quer viver um amor impossível, já ninguém aceita amar sem uma razão.
Hoje, as pessoas apaixonam-se por uma questão de prática. Porque dá jeito. Porque são colegas e estão ali mesmo ao lado. Porque se dão bem e não se chateiam muito. Porque faz sentido. Porque é mais barato, por causa da casa. Por causa da cama. Por causa das cuecas e das calças e das contas da lavandaria."

Não é nada cômodo, não é barato, não é fácil e não é nada próximo ao que eu imaginava viver um dia. Por isso é bem mais.
Recordo-me de te observar por alguns minutos em silêncio, te amando mais ao constatar teus olhos entrando nos meus. Mas também me recordo de te ver hesitar, e eu morrer por dentro.
Meu melhor encontrava-se trancafiado em algum lugar no meu peito. Tão bem camuflado que cheguei a pensar que o tivesse perdido, extraviado-o em algum cais. Nunca pensei que teria um amor desesperadamente estável.
E eu, inesperadamente, consegui.
Atos vazios ou palavras geladas daquele de quem é quase insuportável de se ter. Justamente por isso dói tanto. A dor vem embalada no amargo embrulho da surpresa inconveniente, da nostálgica falta de esperança.
Os olhos tentam ocultar qualquer sinal de insatisfação, mas sempre nos traem enquanto fitam o chão ou o nada de maneira obsessiva. Pecamos com o silêncio contido em uma expressão triste. Pesada. Ou numa distância ensaiada. A nossa mente revela ter um poder masoquista inigualável e se diverte com a memória de toda e qualquer palavra já proferida.
Faça tudo. Mas não seja como eles. Não permita que toda aquela intensidade que conheci torne-se em um sistema mecânico carente de óleo, lógico, prático e vazio.
Não precisa ser perfeito, nem fácil. Mas precisa ser verdadeiro.
Às favas toda a lógica e a racionalidade. Se você puder me amar, desesperadamente e inconsequentemente, tudo em você me basta, até me faltar.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Depresjon


Antes eu me sentia mal por não conseguir escrever sobre meus momentos de alegria, mas agora simplesmente não consigo escrever sobre nada, nada espontâneo, nada preciosamente meu, nada vivo...
E num súbito, sendo engolida pela vontade de escrever o que não consigo dizer, só consigo falar sobre ela.
Alguns anos atrás fomos apresentadas, e rapidamente nos tornamos íntimas. Tão íntimas que ela nunca deixou de estar ao meu lado. Posso falar sobre ela com uma certeza da qual jamais conseguiria sobre várias coisas, como quem fala de si próprio ou de um amante, como quem sabe exatamente do que está falando, como quem conhece o fim da história.
Ela sempre se senta comigo do lado de fora e observa... observa como quem vê um filme antigo, com o roteiro um pouco vazio e sem perspectivas para um grande fim. E me faz sentir saudades das vezes em que questionei a lógica da existência, quando ainda ansiava por respostas que suprissem espaços... e na ausência de crença nessas respostas, consiste toda a inutilidade desta dor.
Progressivamente desinteressada e desencantada pela maioria das coisas, num eterno retorno que nunca cessa. Até o que me traz alegria, me traz dor e algum receio... receio de ter encontrado o caminho e, por causa dela, um dia voltar a estar perdida.

"E depois disso, eu fiquei ali... deitada... esperando minha vida adormecer para que então eu pudesse sair. E saí de fininho para a minha vida não acordar..."